Catanduva Fashion -
Tales, você é fashion. Isso é nítido. Você é cheio de estilo e personalidade.
Mas como se definiria?
Tales Frey - Primeiramente, obrigado pelo “fashion” e
“cheio de personalidade”.
Bom, o “cheio de personalidade” talvez esclareça bem o que eu sou. Acho que sou ‘cheio’ mesmo, ou melhor, ‘abarrotado’ de muitas personalidades, de muitas identidades (até contraditórias às vezes). Mas quem não é?
Bom, o “cheio de personalidade” talvez esclareça bem o que eu sou. Acho que sou ‘cheio’ mesmo, ou melhor, ‘abarrotado’ de muitas personalidades, de muitas identidades (até contraditórias às vezes). Mas quem não é?
Mudo de opinião sempre. Não tenho uma
identidade plenamente unificada, estou sempre montando identidades possíveis,
sempre cambiante, sempre me reinventando. Mas isso é uma característica normal
de qualquer sujeito hoje em dia. No meu caso, o que percebo é que sou intenso
mesmo e acabo por evidenciar demais as minhas mudanças e os meus novos estilos.
Vou fundo na construção de cada nova identidade que invento, aí, quando olho
fotos antigas minhas, posso até rotular e enquadrar o meu antigo aspecto construído
a um determinado grupo, a um determinado estilo, mas não consigo me rotular em
nada padronizado; sou um camaleão e traio meus próprios princípios com relação
à aparência e conteúdo. Exemplo, quando eu era adolescente, numa determinada
fase, lembro-me de me vestir como um “rocker”, mas passava noites em festas de
música eletrônica ou apreciava shows de MPB. Num outro momento, usava trajes de
“geek”, óculos de grau, quase um “traje de escoteiro” e etc., mas jogava sinuca
em botecos sujos na madrugada de São Paulo. Hoje, tem dia que me visto “folk”,
mesclando alguns aspectos do campo com elementos urbanos. Também, tenho curtido
tatuagens que expressem contradições e que se complementem, talvez seja uma
forma de timbrar as minhas próprias incoerências na minha pele, no meu órgão
mais externo do corpo.
Com relação a esta camada mais externa
(a roupa que me dá esse caráter que você chamou de “fashion”), eu acho que
revelo bastante o que vivo no meu íntimo sempre. A moda sempre me fascinou, é
claro (eu confesso), mas nunca fui escravo dela. Na verdade, eu sempre me
interessei pela forma como as pessoas se expressam dentro de uma lógica de
signos, num sentido mais semiológico e menos verbal, daí minha relação com a
performance em detrimento do teatro tradicional.
Na aparência, sou uma completa
imprecisão. Se isso é ruim ou se é magnífico, eu não sei, mas curto muito repensar
sempre a minha definição visual.
“Adrema” (2010). Filme
de Leila Barreto, Lizi Menezes e Tales Frey.
Tales
Frey com tatuagens feitas no estúdio “Para Sempre Tattoos” em Portugal.
CF -
O que você anda 'aprontando' hoje em dia pela terrinha portuguesa?
TF - Aqui, faço um doutorado em Estudos
Teatrais e Performativos na Universidade de Coimbra. É uma pesquisa prática e
teórica, que, nos EUA, chamam de “Practice-led Research”, embora, em Portugal,
isso seja algo ainda bem novo. O título da minha tese é “Performance e
Ritualização: Moda e Religiosidade em Registros Corporais”. Já concluí a parte
escrita da minha tese e apresentei uma exposição como resultado da minha
investigação prática no Centro para os Assuntos da Arte e da Arquitectura em
Guimarães em Junho deste ano. Agora, aguardo a data para a defesa apenas.
Ainda, tenho a Cia.Excessos, a revista
Performatus e o Instututo das Artes de Inhumas. Todos esses projetos eu
administro com o Paulo Aureliano da Mata, meu parceiro em tudo que faço. TUDO.
Para esse fim de ano, tenho uma
residência artística que ocorrerá no Mosteiro de São Bento da Vitória na cidade
do Porto, com aval do Núcleo de Experimentação Coreográfica, e uma
performance-manifesto que acontecerá no Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos.
Claro, há mais projetos. Isso foi um resumo mesmo.
Foto para ensaio fotográfico produzido por Leika Morishita em 2011, na
Avenida Paulista
“Espasmos Caninos” (2002-2012). Performance de Tales Frey
(Cia.Excessos). Registro fotográfico de Maju Minervino.
CF -
Quais seus próximos projetos?
TF - O próximo projeto a ser realizado, que
me deixou extremamente empolgado, é uma performance minha que foi selecionada
para um Festival na Polônia – “Performance Platform Lublin 2013”. De 102
propostas, nove projetos foram escolhidos. Fiz essa ação como um “rito de passagem”
no dia do meu aniversário (20 de Junho de 2013), com a qual me converti em “bolo-cadáver-presente”
e fiz do evento uma festa de aniversário e velório ao mesmo tempo. Agora, para
apresentar na Polônia, vou reinventar essa dinâmica ritualística, pois a data
não vai coincidir com meu aniversário, portanto vou expor um ‘ritual estético’
apenas e não mais o que era no início, um ‘rito de passagem’ com toda sua
eficácia ritualística.
Fora isso, estou preparando, com o
Paulo, um Festival de Performance para ocorrer em São Paulo, um livro da
Cia.Excessos, um livro da revista Performatus e meu livro com o conteúdo da
minha tese de doutorado. Além dos trabalhos artísticos novos todos, dentre
eles, um longa-metragem só de linguagem visual que expõe um universo mais
onírico, reunindo pesadelos em forma de performance. É muita coisa mesmo que
tenho pela frente. Funciono muito bem sob pressão.
Tales
Frey vestido com roupas compradas em Brechó no comércio de
Portugal e com camisa de Antonio Bizarro comprada em São Paulo.
CF - E, agora, voltando às raízes, como foi que você começou sua carreira artística
aqui em Catanduva? Fale um pouco sobre os projetos que você participou aqui que
mais te marcaram.
TF - Minha carreira artística começou
sobretudo no teatro, embora eu me atrevesse no desenho também, desde que aprendi
a segurar num lápis (talvez fizesse desenho mesmo antes de saber a segurar em
um). O desenho é algo que nunca me rendeu grande coisa, mas que adoro fazer até
hoje. Faço para mim e não mostro muito. São bidimensionais e sem técnica.
Comecei, em 1993, a me interessar mesmo
pelas artes cênicas. Eu sempre via dança por conta da profissão da minha mãe e
isso já me despertava qualquer vontade de me colocar diante de uma plateia. Minha
mãe tinha uma academia chamada Corpus e, nela, havia um grupo de teatro que
usava o espaço, então fui me integrar ao grupo para ver no que dava e gostei
muito. Até 1995, eu fiquei nesse grupo, depois me mudei para São Paulo e vivi
alguma experiência no colégio Rio Branco com relação à arte dramática. Pensava que
queria ser ator na época, então, quando voltei a morar em Catanduva, já no fim
dos anos 90, trabalhei com vários grupos para buscar esse objetivo, mas me
identifiquei de verdade com o grupo da Teka Mastrocola, o Galpão 6, pois era
justamente o que não estava calcado em palavras, mas em outro patamar
comunicativo. Ouvia muita gente se incomodar com o que ela produzia. Diziam:
“isso não é teatro” ou “isso não é dança”, ou seja, ela desestabilizava o
padrão e gerava reflexão sobre a condição do estatuto de um determinado gênero
artístico. Isso me marcou muito. Talvez ela estivesse melhor enquadrada na
performance fringe, mas isso não era de fato algo a gerar preocupação. O que
víamos era cena: tinha o intérprete, o público e a dramaturgia (ainda que de
signos, mas era).
E, então, quando saí de Catanduva rumo
ao Rio de Janeiro, não era o lugar-comum que queria atingir. Nem a rede globo e
nem o teatro comercial ou musicais me deslumbravam, embora eu me envolvesse
neles, porque davam retorno financeiro direto. Eu tinha vontade de trabalhar em
um outro andamento, o qual foi despertado em Catanduva com a Teka e que
terminou na minha prática final de montagem na Universidade Federal do Rio de
Janeiro, instituição onde sempre expus sem medo meus anseios artísticos.
Quando me mudei para São Paulo, depois
da faculdade, em 2008, trabalhei como ator (e na equipe de direção) em uma peça
do diretor Antonio Abujamra. Ali, num teatro feito com qualidade e sem intuito meramente
comercial, percebi que não era o teatro que queria para minha vida, mas sim a
performance.
Bom, mas em Catanduva tem muita coisa
que me marcou na fase inicial das minhas buscas artísticas: o grupo Uia
Dionisius!, o Címulu, o Tabajara, o grupo do Colegião, o Galpão 6, entre muitos
que reuniam tanta gente querida, pessoas que mantenho carinho imenso até hoje.
“Dismorfofobia”
(2012). Performance de Tales Frey (Cia.Excessos).
CF - Moda e arte: tudo a ver ou não? Por quê?
TF - Tudo a ver. Veja Flávio de Carvalho, em
São Paulo, atravessando a procissão de Corpus Christi, em sentido contrário, em
1931, com seu boné verde de veludo para enfatizar o comportamento do religioso
fervoroso e intolerante, veja o traje “new look” que ele propôs, em 1956, para
questionar os trajes importados dos países frios para o Brasil, país que é, em
sua maior parte, tropical e quente. Ele propunha, com sua performance, um gesto
artístico totalmente centrado na moda. Fundia moda e arte.
Eu mesmo propus isso quando inverti esse
código do vestuário em um casal heterossexual a se beijar por 30 minutos no
espaço urbano em “O outro beijo no asfalto” em 2009. A estranheza é o simples
fato do homem vestir uma roupa condicionada por feminina e a mulher o contrário
nessa ação que criei. Isso faz com que as pessoas julguem o beijo como “gay”,
quando não é. Mais uma vez, uma fusão de arte e moda, sendo uma performance
totalmente baseada na moda.
Andy Warhol trabalhou sob essa premissa,
assim como Salvador Dalí, Elsa
Schiaparelli, David Burliuk, Vladimir Maiakovski, Duchamp, etc. Foram artistas
que propuseram uma ruptura do que separa a vida cotidiana da arte.
Sobre isso, eu recomendo minha
tese, senão passo um mês ou mais a responder essa pergunta.
“O outro beijo no
asfalto” (2009-2012), performance de Tales Frey (Cia.Excessos). Registro fotográfico de Alber Centurion.
CF -
Moda ou estilo: o que você prefere e por quê?
TF - Estilo. Gosto de quem faz a sua própria
moda. Incorporar da revista é muito cômodo. Gosto de gente criativa que
consegue elaborar e traduzir a própria identidade no que reveste o seu corpo.
Essa tradução do “self” não vem prontinha da loja e não tem como ser ditada e
formatada para um bloco homogêneo. Usar essa moda padronizada da Vogue é
negar a própria essência. Portanto, prefiro o estilo de cada um.
Tales Frey em Óbidos (Portugal).
Tales em Budapeste, Hungria.
CF - O figurino é uma parte muito importante de um espetáculo de teatro. E agora o
blog Catanduva Fashion está produzindo a exposição Fashion History, com apoio
de várias empresas e entidades de Catanduva, que vai ser uma exposição
cultural-comercial - contar história sob o prisma da moda - mostrando o que
Catanduva tem. Pra isso, tive que mergulhar numa pesquisa sobre o que as pessoas
vestiam no passado. Vocês corriqueiramente no teatro ou na performance também
têm que fazer isso?
TF - Sim. No teatro há bem mais preocupação
nesse aspecto, pois temos que pensar um personagem e caracterizá-lo de acordo
com suas particularidades psicológicas. Na performance é diferente. Na performance
a preocupação é o signo de cada elemento. O próprio corpo é um elemento. Não
pode um performer usar um jeans, por exemplo, sem nenhuma explicação para isso.
Por isso, há muita nudez em performance, porque a roupa pode gerar significado
que não é justificado conceitualmente e, daí, o corpo cru, nu, e sem essa
simbologia da roupa pode funcionar melhor.
(De)reter-se (2013), fotoperformance de Tales
Frey (Cia.Excessos).
registro fotográfico de Paulo A. da Mata. Tratamento de Rubens Rangel.
registro fotográfico de Paulo A. da Mata. Tratamento de Rubens Rangel.
CF - Qual o figurino mais complicado da tua carreira?
TF - O da minha performance “Proxim(a)idade”.
Eu usei fitas para dar laços em presente para enrolar todo meu corpo, exceto a
cabeça, que estava toda coberta de chocolate e decorada por confeitos. Fiquei imóvel por 3 horas, sem poros para que pudesse “respirar”. As minhas narinas e ouvidos eram meus únicos orifícios em
contato desobstruído com o mundo. Todo o resto estava num “casulo”. Foi muito
difícil, mas suportei.
“Proxim(a)idade”,
performance de Tales Frey (Cia.Excessos). Registros fotográficos de Thais
Nepomuceno.
CF -
Agora um ping pong:
-
uma marca:
Adam Kimmel. “Fall-Winter 2011”. Há
tanto humor e bom gosto que permaneço nessa coleção sem medo de estar “démodé”.
-
um estilista:
Jeremy
Scott
-
um perfume:
Black Orchid (Tom Ford).
-
um acessório:
Chapéu.
-
uma fantasia (não sexual, fantasia mesmo hehe):
Queria me vestir de Narcissister por um
dia ao menos.
-
sunga ou bermuda?
Sunga. E cavada. No estilão Cazuza
mesmo. Bem Ipanema em 1987.
-
um personagem:
Margaret e Jimmy, ambos feitos por Anne
Carlisle no filme “Liquid Sky”, de 1982.
-
uma música:
Para dançar, “Valentina”, de Teta Mona.
Para sofrer, Morrissey e The Smiths sempre. Para tudo, Angela Ro Ro.
-
uma peça:
“Einstein on the Beach”, do Bob Wilson.
-
um filme:
Posso dizer 3?
“The Color of Pomegranates” (1968), de Sergei Parajanov; “Desperate Living”
(1977), do John Waters e “Carne” (1991), do Gaspar Noé.
-
um ator/atriz:
Edith Massey
-
um modelo ou uma modelo:
Linda Evangelista
-
um objeto do desejo:
Não é caro, mas eu só desejo e nunca
compro (quem sabe eu não acabo ganhando?): um globo terrestre bem vintage.
CF (pára tudo e chama a NASA) - Brincou? Quando criança sonhava em ter um globo terrestre!
-
olhos ou boca?
Olhos. Dizem verdades sempre, mesmo
quando as bocas afirmam o contrário.
-
uma viagem:
Amei a Hungria. Essa me marcou muito.
-
uma pessoa fashion:
Relaciono o “fashion” com o atrevimento
sempre, Dudu Bertholini é “fashion” e Priscilla Davanzo também. Em Catanduva,
adoro o Pimpão e a “Xuxa” (não a própria, aquela que anda no centro da cidade
de Catanduva com make-up exageradíssima). Para ser fashion não basta comprar
uma roupa descolada; tem que ter atitude. Tem que enfrentar em sentido
contrário uma sociedade anestesiada na sua roupinha certinha.
- G ou G? glamour ou grana?
Glamour,
o que nem toda grana pode comprar.
Todos
trabalhos do artista Tales Frey podem ser vistos em:
Catanduva exportando talentos! Parabéns pela entrevista!
ResponderExcluirObrigada, Flor, o Tales não é só talentoso, também tem um grande coração, como devem ser os atores de verdade, libertos da vaidade que só corrói.
ResponderExcluirEle é demais! A intensidade e a simplicidade em pessoa. Adoro ele.
ResponderExcluirNunca vou me eskecer dos dias que passei em Portuga com ele. Do passeio no cais até a praia...cheio de fotos, perigos e diversão.
Salve Tales Frey!