sábado, 7 de setembro de 2013

Entrevista - Tales Frey: dos palcos de Catanduva para os palcos do mundo





Catanduva Fashion - Tales, você é fashion. Isso é nítido. Você é cheio de estilo e personalidade. Mas como se definiria?
Tales Frey - Primeiramente, obrigado pelo “fashion” e “cheio de personalidade”.
Bom, o “cheio de personalidade” talvez esclareça bem o que eu sou. Acho que sou ‘cheio’ mesmo, ou melhor, ‘abarrotado’ de muitas personalidades, de muitas identidades (até contraditórias às vezes). Mas quem não é?

Mudo de opinião sempre. Não tenho uma identidade plenamente unificada, estou sempre montando identidades possíveis, sempre cambiante, sempre me reinventando. Mas isso é uma característica normal de qualquer sujeito hoje em dia. No meu caso, o que percebo é que sou intenso mesmo e acabo por evidenciar demais as minhas mudanças e os meus novos estilos. Vou fundo na construção de cada nova identidade que invento, aí, quando olho fotos antigas minhas, posso até rotular e enquadrar o meu antigo aspecto construído a um determinado grupo, a um determinado estilo, mas não consigo me rotular em nada padronizado; sou um camaleão e traio meus próprios princípios com relação à aparência e conteúdo. Exemplo, quando eu era adolescente, numa determinada fase, lembro-me de me vestir como um “rocker”, mas passava noites em festas de música eletrônica ou apreciava shows de MPB. Num outro momento, usava trajes de “geek”, óculos de grau, quase um “traje de escoteiro” e etc., mas jogava sinuca em botecos sujos na madrugada de São Paulo. Hoje, tem dia que me visto “folk”, mesclando alguns aspectos do campo com elementos urbanos. Também, tenho curtido tatuagens que expressem contradições e que se complementem, talvez seja uma forma de timbrar as minhas próprias incoerências na minha pele, no meu órgão mais externo do corpo.
Com relação a esta camada mais externa (a roupa que me dá esse caráter que você chamou de “fashion”), eu acho que revelo bastante o que vivo no meu íntimo sempre. A moda sempre me fascinou, é claro (eu confesso), mas nunca fui escravo dela. Na verdade, eu sempre me interessei pela forma como as pessoas se expressam dentro de uma lógica de signos, num sentido mais semiológico e menos verbal, daí minha relação com a performance em detrimento do teatro tradicional.
Na aparência, sou uma completa imprecisão. Se isso é ruim ou se é magnífico, eu não sei, mas curto muito repensar sempre a minha definição visual. 




“Adrema” (2010). Filme de Leila Barreto, Lizi Menezes e Tales Frey.










Tales Frey com tatuagens feitas no estúdio “Para Sempre Tattoos” em Portugal.

 
CF - O que você anda 'aprontando' hoje em dia pela terrinha portuguesa?
TF - Aqui, faço um doutorado em Estudos Teatrais e Performativos na Universidade de Coimbra. É uma pesquisa prática e teórica, que, nos EUA, chamam de “Practice-led Research”, embora, em Portugal, isso seja algo ainda bem novo. O título da minha tese é “Performance e Ritualização: Moda e Religiosidade em Registros Corporais”. Já concluí a parte escrita da minha tese e apresentei uma exposição como resultado da minha investigação prática no Centro para os Assuntos da Arte e da Arquitectura em Guimarães em Junho deste ano. Agora, aguardo a data para a defesa apenas.
Ainda, tenho a Cia.Excessos, a revista Performatus e o Instututo das Artes de Inhumas. Todos esses projetos eu administro com o Paulo Aureliano da Mata, meu parceiro em tudo que faço. TUDO.
Para esse fim de ano, tenho uma residência artística que ocorrerá no Mosteiro de São Bento da Vitória na cidade do Porto, com aval do Núcleo de Experimentação Coreográfica, e uma performance-manifesto que acontecerá no Espaço de Intervenção Cultural Maus Hábitos. Claro, há mais projetos. Isso foi um resumo mesmo.


 Foto para ensaio fotográfico produzido por Leika Morishita em 2011, na Avenida Paulista




  “Espasmos Caninos” (2002-2012). Performance de Tales Frey (Cia.Excessos). Registro fotográfico de Maju Minervino.


CF - Quais seus próximos projetos?
TF - O próximo projeto a ser realizado, que me deixou extremamente empolgado, é uma performance minha que foi selecionada para um Festival na Polônia – “Performance Platform Lublin 2013”. De 102 propostas, nove projetos foram escolhidos. Fiz essa ação como um “rito de passagem” no dia do meu aniversário (20 de Junho de 2013), com a qual me converti em “bolo-cadáver-presente” e fiz do evento uma festa de aniversário e velório ao mesmo tempo. Agora, para apresentar na Polônia, vou reinventar essa dinâmica ritualística, pois a data não vai coincidir com meu aniversário, portanto vou expor um ‘ritual estético’ apenas e não mais o que era no início, um ‘rito de passagem’ com toda sua eficácia ritualística.
Fora isso, estou preparando, com o Paulo, um Festival de Performance para ocorrer em São Paulo, um livro da Cia.Excessos, um livro da revista Performatus e meu livro com o conteúdo da minha tese de doutorado. Além dos trabalhos artísticos novos todos, dentre eles, um longa-metragem só de linguagem visual que expõe um universo mais onírico, reunindo pesadelos em forma de performance. É muita coisa mesmo que tenho pela frente. Funciono muito bem sob pressão. 




Tales Frey vestido com roupas compradas em Brechó no comércio de Portugal e com camisa de Antonio Bizarro comprada em São Paulo.

CF - E, agora, voltando às raízes, como foi que você começou sua carreira artística aqui em Catanduva? Fale um pouco sobre os projetos que você participou aqui que mais te marcaram.
TF - Minha carreira artística começou sobretudo no teatro, embora eu me atrevesse no desenho também, desde que aprendi a segurar num lápis (talvez fizesse desenho mesmo antes de saber a segurar em um). O desenho é algo que nunca me rendeu grande coisa, mas que adoro fazer até hoje. Faço para mim e não mostro muito. São bidimensionais e sem técnica.  
Comecei, em 1993, a me interessar mesmo pelas artes cênicas. Eu sempre via dança por conta da profissão da minha mãe e isso já me despertava qualquer vontade de me colocar diante de uma plateia. Minha mãe tinha uma academia chamada Corpus e, nela, havia um grupo de teatro que usava o espaço, então fui me integrar ao grupo para ver no que dava e gostei muito. Até 1995, eu fiquei nesse grupo, depois me mudei para São Paulo e vivi alguma experiência no colégio Rio Branco com relação à arte dramática. Pensava que queria ser ator na época, então, quando voltei a morar em Catanduva, já no fim dos anos 90, trabalhei com vários grupos para buscar esse objetivo, mas me identifiquei de verdade com o grupo da Teka Mastrocola, o Galpão 6, pois era justamente o que não estava calcado em palavras, mas em outro patamar comunicativo. Ouvia muita gente se incomodar com o que ela produzia. Diziam: “isso não é teatro” ou “isso não é dança”, ou seja, ela desestabilizava o padrão e gerava reflexão sobre a condição do estatuto de um determinado gênero artístico. Isso me marcou muito. Talvez ela estivesse melhor enquadrada na performance fringe, mas isso não era de fato algo a gerar preocupação. O que víamos era cena: tinha o intérprete, o público e a dramaturgia (ainda que de signos, mas era).  
E, então, quando saí de Catanduva rumo ao Rio de Janeiro, não era o lugar-comum que queria atingir. Nem a rede globo e nem o teatro comercial ou musicais me deslumbravam, embora eu me envolvesse neles, porque davam retorno financeiro direto. Eu tinha vontade de trabalhar em um outro andamento, o qual foi despertado em Catanduva com a Teka e que terminou na minha prática final de montagem na Universidade Federal do Rio de Janeiro, instituição onde sempre expus sem medo meus anseios artísticos.
Quando me mudei para São Paulo, depois da faculdade, em 2008, trabalhei como ator (e na equipe de direção) em uma peça do diretor Antonio Abujamra. Ali, num teatro feito com qualidade e sem intuito meramente comercial, percebi que não era o teatro que queria para minha vida, mas sim a performance.
Bom, mas em Catanduva tem muita coisa que me marcou na fase inicial das minhas buscas artísticas: o grupo Uia Dionisius!, o Címulu, o Tabajara, o grupo do Colegião, o Galpão 6, entre muitos que reuniam tanta gente querida, pessoas que mantenho carinho imenso até hoje. 



 “Dismorfofobia” (2012). Performance de Tales Frey (Cia.Excessos).

CF - Moda e arte: tudo a ver ou não? Por quê?
TF - Tudo a ver. Veja Flávio de Carvalho, em São Paulo, atravessando a procissão de Corpus Christi, em sentido contrário, em 1931, com seu boné verde de veludo para enfatizar o comportamento do religioso fervoroso e intolerante, veja o traje “new look” que ele propôs, em 1956, para questionar os trajes importados dos países frios para o Brasil, país que é, em sua maior parte, tropical e quente. Ele propunha, com sua performance, um gesto artístico totalmente centrado na moda. Fundia moda e arte.
Eu mesmo propus isso quando inverti esse código do vestuário em um casal heterossexual a se beijar por 30 minutos no espaço urbano em “O outro beijo no asfalto” em 2009. A estranheza é o simples fato do homem vestir uma roupa condicionada por feminina e a mulher o contrário nessa ação que criei. Isso faz com que as pessoas julguem o beijo como “gay”, quando não é. Mais uma vez, uma fusão de arte e moda, sendo uma performance totalmente baseada na moda.
Andy Warhol trabalhou sob essa premissa, assim como Salvador Dalí, Elsa Schiaparelli, David Burliuk, Vladimir Maiakovski, Duchamp, etc. Foram artistas que propuseram uma ruptura do que separa a vida cotidiana da arte.
Sobre isso, eu recomendo minha tese, senão passo um mês ou mais a responder essa pergunta.




“O outro beijo no asfalto” (2009-2012), performance de Tales Frey (Cia.Excessos).  Registro fotográfico de Alber Centurion.

CF - Moda ou estilo: o que você prefere e por quê?
TF - Estilo. Gosto de quem faz a sua própria moda. Incorporar da revista é muito cômodo. Gosto de gente criativa que consegue elaborar e traduzir a própria identidade no que reveste o seu corpo. Essa tradução do “self” não vem prontinha da loja e não tem como ser ditada e formatada para um bloco homogêneo. Usar essa moda padronizada da Vogue é negar a própria essência. Portanto, prefiro o estilo de cada um.


Tales Frey em Óbidos (Portugal).


Tales em Budapeste, Hungria.

CF - O figurino é uma parte muito importante de um espetáculo de teatro. E agora o blog Catanduva Fashion está produzindo a exposição Fashion History, com apoio de várias empresas e entidades de Catanduva, que vai ser uma exposição cultural-comercial - contar história sob o prisma da moda - mostrando o que Catanduva tem. Pra isso, tive que mergulhar numa pesquisa sobre o que as pessoas vestiam no passado. Vocês corriqueiramente no teatro ou na performance também têm que fazer isso?
TF - Sim. No teatro há bem mais preocupação nesse aspecto, pois temos que pensar um personagem e caracterizá-lo de acordo com suas particularidades psicológicas. Na performance é diferente. Na performance a preocupação é o signo de cada elemento. O próprio corpo é um elemento. Não pode um performer usar um jeans, por exemplo, sem nenhuma explicação para isso. Por isso, há muita nudez em performance, porque a roupa pode gerar significado que não é justificado conceitualmente e, daí, o corpo cru, nu, e sem essa simbologia da roupa pode funcionar melhor.


(De)reter-se (2013), fotoperformance de Tales Frey (Cia.Excessos).
registro fotográfico de Paulo A. da Mata. Tratamento de Rubens Rangel.


CF - Qual o figurino mais complicado da tua carreira?
TF - O da minha performance “Proxim(a)idade”. Eu usei fitas para dar laços em presente para enrolar todo meu corpo, exceto a cabeça, que estava toda coberta de chocolate e decorada por confeitos.  Fiquei imóvel por 3 horas, sem poros para que pudesse “respirar”. As minhas narinas e ouvidos eram meus únicos orifícios em contato desobstruído com o mundo. Todo o resto estava num “casulo”. Foi muito difícil, mas suportei. 




“Proxim(a)idade”, performance de Tales Frey (Cia.Excessos). Registros fotográficos de Thais Nepomuceno.


CF - Agora um ping pong:
- uma marca:
Adam Kimmel. “Fall-Winter 2011”. Há tanto humor e bom gosto que permaneço nessa coleção sem medo de estar “démodé”.
- um estilista:
Jeremy Scott
- um perfume:
Black Orchid (Tom Ford).
- um acessório:
Chapéu.
- uma fantasia (não sexual, fantasia mesmo hehe):
Queria me vestir de Narcissister por um dia ao menos.
- sunga ou bermuda?
Sunga. E cavada. No estilão Cazuza mesmo. Bem Ipanema em 1987.
- um personagem:
Margaret e Jimmy, ambos feitos por Anne Carlisle no filme “Liquid Sky”, de 1982.
- uma música:
Para dançar, “Valentina”, de Teta Mona. Para sofrer, Morrissey e The Smiths sempre. Para tudo, Angela Ro Ro.
- uma peça:
“Einstein on the Beach”, do Bob Wilson.
- um filme:
Posso dizer 3? “The Color of Pomegranates” (1968), de Sergei Parajanov; “Desperate Living” (1977), do John Waters e “Carne” (1991), do Gaspar Noé.
- um ator/atriz:
Edith Massey
- um modelo ou uma modelo:
Linda Evangelista
- um objeto do desejo:
Não é caro, mas eu só desejo e nunca compro (quem sabe eu não acabo ganhando?): um globo terrestre bem vintage.
CF (pára tudo e chama a NASA) - Brincou? Quando criança sonhava em ter um globo terrestre!
- olhos ou boca?
Olhos. Dizem verdades sempre, mesmo quando as bocas afirmam o contrário.
- uma viagem:
Amei a Hungria. Essa me marcou muito.
- uma pessoa fashion:
Relaciono o “fashion” com o atrevimento sempre, Dudu Bertholini é “fashion” e Priscilla Davanzo também. Em Catanduva, adoro o Pimpão e a “Xuxa” (não a própria, aquela que anda no centro da cidade de Catanduva com make-up exageradíssima). Para ser fashion não basta comprar uma roupa descolada; tem que ter atitude. Tem que enfrentar em sentido contrário uma sociedade anestesiada na sua roupinha certinha.
- G ou G? glamour ou grana?
Glamour, o que nem toda grana pode comprar.



Todos trabalhos do artista Tales Frey podem ser vistos em:

3 comentários:

  1. Catanduva exportando talentos! Parabéns pela entrevista!

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  2. Obrigada, Flor, o Tales não é só talentoso, também tem um grande coração, como devem ser os atores de verdade, libertos da vaidade que só corrói.

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  3. Ele é demais! A intensidade e a simplicidade em pessoa. Adoro ele.
    Nunca vou me eskecer dos dias que passei em Portuga com ele. Do passeio no cais até a praia...cheio de fotos, perigos e diversão.
    Salve Tales Frey!

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