Quando o vento sacode a cabeleira vermelha de Florence, ele deixa muita inspiração. Florence Manoel, jornalista e escritora, é uma mistura de camaleoa com beija-flor. Sempre lépida e faceira, beijando as flores de cada momento da vida e retirando de seu nectar o aproveitável para produzir algo tão visceral que, transposto para o papel, tem a aspereza cortante de um punhal reluzente e o elixir libertário que a dança mais sublime das palavras é capaz de preparar.
Leia abaixo a íntegra da entrevista com este azougue ruivo, um talento jovem e elétrico de Catanduva.
Catanduva Fashion - Florence, você escreveu um livro
e já até falou sobre ele num curso do Senac, sobre a história do nome feitiço
em Catanduva. De onde surgiu a ideia para este trabalho?
Florence Manoel - Na
verdade, o material que utilizo em minhas palestras - e até hoje foram quatro:
duas no Senac, uma no Centro Cultural e uma na Pérgula da Praça da República,
por meio do Festival de Formas Poéticas – é basicamente o meu Trabalho de
Conclusão do Curso de Jornalismo do IMES.
Trata-se de um livror-reportagem chamado “O
Feitiço na Cultura Catanduvense”, que aborda a relação entre Catanduva e o
cognome “Cidade Feitiço”, que o município recebeu na primeira metade da década
de 40.
Ele é
dividido em quatro capítulos, sendo que no primeiro falo sobre feitiçaria e a
maneira como os chamados feiticeiros influenciaram as sociedades em que
estiveram inseridos. No segundo capítulo, resgato o nascimento e a projeção de
Catanduva, bem como as diferentes alcunhas que o município recebeu ao longo de
sua história. No terceiro, falo sobre as influências do apelido “Cidade
Feitiço”, ou seja, intituições ou orgãos que adotaram a ideia de feitiço em
seus nomes ou slogans ou a imagem da bruxinha no logotipo. E, para finalizar,
conto sobre um período em que a bruxinha trouxe polêmica para a cidade: quando
foi inserida no logotipo da prefeitura, durante a gestão Carlos Eduardo.
A
princípio eu queria fazer um trabalho investigando a homossexualidade sob o
prisma de diversas religiões e cheguei a ler sobre a Umbanda, o Islamismo, o
Espiritismo e o Budismo, mas, na faculdade, o professor Evandro Hernandes
sugeriu que eu trabalhasse a bruxa e me apaixonei pela ideia. Por isso,
continuo bastante envolvida com o assunto.
CF - E em que pé está este projeto? Parece que ele será incrementado com fotos. Como
será isso?
FM - Desde que comecei o trabalho, pensei em publicar, já
que “descolei” curiosidades sobre nossa história que muitos catanduvenses
desconhecem – e quando ouvem se deliciam.
Pensava em veicular em formato de livro, mas agora estou cogitando fazer
uma revista especial para o aniversário de Catanduva do ano que vem. Tem
fotografia de alguns entrevistados, e de alguns acessórios e logos que remetem
à bruxa.
CF - Você também é uma poeta, cronista muito ativa. Seus textos são lindos. Têm
alguns de estimação?
FM - Gosto muito de um artigo que nomeei como “Justiça e
Liberdade ao Vocábulo”, porque a liberdade está presente no conteúdo e na forma
do texto, foi um bom exercício de criatividade. Repare:
“Parece que me
ocorreu e talvez não seja bem isso e que vontade de bagunçar a pontuação a la Bukowski
e, lindamente, num fracasso de sorriso, mentir. Ou não.
Parece que me ocorreu que a repetição não é
sempre feia. E também que a liberdade é uma palavra mal aproveitada. Digo isso
porque – sinta-se na liberdade de não ser convencido. Digo isso porque seu
emprego nos discursos cotidianos óbvios e gastos a desvaloriza, como palavra
qualquer, como se chamasse prego.
A liberdade, ao que me parece, perdeu sua
poesia de brisa e algodão, bem como o reconhecimento de sua força em tantas
histórias heróicas. Perdeu no exato momento em que um infeliz afirmou: “Fulano
quer mais liberdade”. Paradoxalmente, quem o fez, usufruiu de sua liberdade
verbal-adverbial-substancial”.
Também gosto muito de “O
Homem Dourado”, um conto em que descrevo o desconcerto de uma mulher ao acordar
com um desconhecido em sua cama. Ela imagina mil formas de proceder e acaba
agindo de maneira bastante inusitada. Veja um trecho:
“Abriu os olhos de gata ferida e moveu-se
letárgica, na tentativa de reencontrar na própria pele cada palavra dita na
noite anterior. Queimaduras explícitas de um passado muito recente.
Pequenos e fragmentados os instantes, pétalas de
flor submersas na saliva. Delicados como uma pluma. Raras pérolas da vida, de
beleza efêmera, flutuante e verdadeiramente vertiginosa. Despretensiosa.
Abraçou ao edredom com as unhas, com a força
infecciosa que já não havia. Mordeu o lençol com paixão. Cheia de compaixão
pela cama fria.
Atirado aos pés da cama,um homem bonito, dormindo
pesado .Embriagado. Esfarelado de volúpia. E completamente desconhecido.
Sedentamente desfalecido, nessa aquarela surda e
muda . Um homem dourado cintilando incansavelmente sob o miserável
ventiladorzinho.”
CF - O que te motiva a escrever?
FM - Desde criança gosto de escrever. Sempre gostei das
aulas de Redação e de Literatura e me dava bem nessas matérias. Quando fiz
cursinho só aparecia nessas aulas e nas de História e Geografia e cheguei a
prestar Artes Cênicas na Universidade Federal de Ouro Preto, com a intenção de
virar roteirista de teatro e “viver de arte”.
Aliás, na escola cheguei a escrever uma peça chamada
“Vacas não voam e loucos não morrem”. Era sobre uma andarilha que tinha
problemas mentais e acreditava ser Janis Joplin. Na história, ela é abordada
por uma groupie, que ama “roqueiros-cabeludos-com cara de mau” e resolve tirar
sarro da “Janis”. Quando a groupie começa a gritar “Dêem dinheiro prum goró,
estamos diante de uma estrela”, um ladrão extremamente burro passa por elas e
acredita no que ouve. Ele faz as duas reféns.
Às vezes, quando ouço uma música, leio ou assisto
algo que me chama muito a atenção, ou até mesmo quando vejo imagens inusitadas
em outdoors ou escuto uma história interessante de algum amigo, fico inspirada
e passo pro papel.
CF - Inclusive você vai também publicar um livro com seus contos e poemas, com fotos,
é isso?
FM - Tenho uma prima chamada Aline Baker, que é uma
fotógrafa muito talentosa. Uma vez a mãe dela sugeriu que
fizéssemos um trabalho em conjunto para expôr nos metrôs de São Paulo. Ela
tiraria fotos inspiradas nos meus textos e eu escreveria textos com base em
suas fotos.
Cerca de cinco anos se passaram e resolvi resgatar a
ideia, mas em vez de fazer uma exposição, reunir o material em um livro. Falei
com a Aline e ela adorou. Já enviei uns 10 contos para ela fazer a versão
fotográfica.
CF - Você é letrista da Banda Vintage. De onde vem tanta inspiração?
FM - Tenho mais facilidade para escrever em verso do que em
prosa, por isso sempre componho com meus amigos músicos. Resolvemos, em 2009,
montar a Estação Vintage. Por falta de tempo, em alguns momentos, e de músicos,
em outros, acabamos deixando o projeto de lado. Mas, agora, que temos a banda
completa, resolvemos retomá-lo.
Como disse, o inusitado me inspira. Além disso,
gosto de pôr meus sentimentos, pensamentos e visão de mundo no papel.
CF - E por falar em vintage, você se considera vintage? Qual seu estilo?
FM - Não
saberia definir meu estilo, mas gosto muito de peças vintage. Às vezes tenho
que me controlar para não sair de casa fantasiada de pin-up, rs. Tenho três
vestidos de bolinha!
Outros
acessórios que adoro são boinas, toucas estilosas, cachecol, lenços, coturnos e
peças de crochê.
CF - Como você vê o mundo da moda?
FM - Eu acho que a moda é arte, já que depende do
imaginário de alguém para existir. Além disso, as criações dos grandes
estilistas costumam ser provocativas, apelar para os sentidos, mexer com a
cabeça das pessoas, o que é quase obrigatório nos bons filmes, quadros e
livros.
Porém, acho lamentável a postura das pessoas que se
deixam escravizar pelas tendências, porque além de demonstrarem não ter
autoconhecimento e autenticidade, são indivíduos que negligenciam seu próprio
potencial criativo – que poderia ser explorado na simples composição de um look.
Florence. acabo de reparar melhor na foto em q vc mostra proposıtalmente seus joelhos machucados e ao menos eu entendi assim e eu gostei mt desta foto e so agora me dei conta q ele me faz lembrar um conto do meu lıvro Espelhos. Lembra...
ResponderExcluirSeu livro é uma delícia de se ler. Amei!
ExcluirObrigada, Flor.
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