terça-feira, 19 de novembro de 2013

Fashion Travel - Caraíva e o dia em que a Terra parou

Quando eu estive em Caraíva, este nome começava a figurar nas primeiras revistas especializadas de turismo do Brasil, mas ainda assim quando a gente dizia pra onde a gente estava indo, brasileiro confirmava não conhecer a própria terra e dizia: "Cara... o quê? Onde fica isso?".





Trancoso, por outro lado, já era famosa, e uma vila hippie que de hippie mesmo só tinha o nome, já estava chic.
Caraíva sim era o fim do mundo ou o começo de tudo, como diziam os índios que ali habitaram primeiramente e cujos descendentes ainda habitam.






Foi uma longa viagem num uninho velho por estradas esburacadas, cortando o Estado de Minas na diagonal, dormindo em Teófilo Otoni, cidade das pedras preciosas, insistindo contra uma previsão do tempo atroz em todo o território nacional, com chuvas, barrancos despencando, árvores caindo no meio das estradas, pontes quebradas e desvios aqui e ali, estradas de terra sem fim, inimagináveis e uma tenacidade de jovem só regada pelo desejo de chegar lá. E só aliviada por um certo pão de queijo de Minas recheado de lombo, que a gente comeu numa birosca no meio do caminho. Foi ali que eu comprovei que em Minas se come bem em qualquer birosca.






Ao chegarmos a Caraíva, o choque dos civilizados: ter que carregar cada um suas tralhas do jeito que dava e atravessar o rio de canoa. O carro? Ficou na outra margem, num estacionamento cujo 'vigia' era um gordo sem camisa que passava o dia na rede com o boné na cara. A vantagem? Parecia um outro Brasil. Tudo era muito barato e ninguém mexia nas tuas coisas.
Nunca vi povo tão louco e tão são.






Foi a primeira vez que vi brigadeiro de granola.
Foi onde o Xuxa perdeu os óculos caríssimos dele mergulhando no rio que desaguava no mar.
Foi onde a gente assistiu o povo jogando capoeira tão autêntica, todo fim de tarde.
Foi onde a gente seguiu as areias que se moviam até descobrir que na realidade elas não se moviam. Eram filhotinhos de caranguejos. Então chegamos nos grandões, no meio do mangue. 






Então conhecemos o indiozinho que nos trouxe 3 caranguejos por 5 reais. Pra pegar os tais caranguejos ele foi fundo na lama e voltou cinza dos pés à cabeça; deixou a tralha dele em cima de um tronco - pulseirinhas de semente. Ninguém mexia, ninguém roubava. Inocência e pureza era o cheiro daquele lugar.
Desafiei o Xuxa a cozinhar aquela joça, que no fim ficou horrível, mas ele comeu e eu ri e disse: 'tá ruim que só, né?'. Ele me olhou com aqueles olhinhos azuis puros como o lugar, como que com pena de si mesmo, mas disse: 'ah... até que dá pra comer'.






A praia não tinha cadeiras horrendas, não tinha guarda-sois, não tinha vendeção. Era cada um na sua e todo mundo na de todo mundo.
Fazíamos as nossas tendas com graveto e cangas ao vento.






A praia não tinha muito de especial. Areia meio grossa, mar meio revolto, mas havia algo de especial naquele lugar. Algo único, autêntico, natural, como um Brasil ainda bebê. E não é que ao longe avistávamos o Monte Pascoal, o tal que Cabral viu quando gritou "Terra à vista!".






A vila era simples, ruas de terra. Tomávamos banho frio e dormíamos com os pés sujos. Tomei banho com água do camping numa garrafa de coca-cola, ajudada pelo Xuxa, quando a nossa água acabou.
Energia... pra quê? A gente tinha muita. A gente sorria por tudo, a gente achava tudo lindo.
Relógio... pra quê? Ninguém tinha. O relógio era o sol. O tempo parou ali. O tempo parou ali também no meu coração pra sempre, quando eu lembro dele sorrindo feliz andando na praia, até chegar nas ocas dos índios. "Que lindo, Dri". "Que legal, moli".






Foi a coisa mais gostosa sair pelo mundo afora com você, Xuxa, e não conhecer o mundo todo, como era o nosso sonho, mas com certeza estivemos no fim do mundo. E ele cheirava a caju, a fruta madura que caia sobre a nossa casinha de sapê.






Mansão nenhuma no sul da França tem aquele cheiro. Cheiro de natureza, cheiro de descobertas, cheiro de amor suave, num lugar que não tinha nada, nada que a gente pudesse comprar, exceto caranguejos e pulseiras de sementes, mas a gente tinha tudo e não sabia.
Já faz mais de 10 anos que estivemos lá. Certamente aquilo mudou, deve estar mais pra Trancoso que pra Caraíva que conhecemos, mas ao menos não virou uma Cancun.
Mas só com a gente aconteceu algo incrível daquele jeito, quando tudo era pra dar errado e deu tão certo.

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