sexta-feira, 20 de dezembro de 2013

Fashion History - último ensaio e o último suspiro de uma rainha fashion


O projeto fotográfico Fashion History, desta revista virtual e do fotógrafo Márcio Costa, está perto do fim (mas só será o começo de outros), caminhando para seu último ensaio fotográfico: "Século 18", tendo como ícone principal da moda - como, claro, não poderia deixar de ser - a polêmica, super fashion e super na língua do povo, Rainha Marie Antoinette - ou, como chamamos de maneira aportuguesada, simplesmente Maria Antonieta - a última monarca francesa, tão odiada, tão adorava e tão invejada, e talvez a inveja seja quiçás a ponte fatal que uniu admiração à sua total ruína.
Kirsten Dunst (foto acima) interpretou Maria Antonieta no filme de Sofia Coppola. E talvez antes de Coppola, ninguém tenha olhado para este famoso personagem da história com um olhar tão diferente e mais ausente de dedos apontados.





Maria Antonieta casou-se com o rei da França, mas era austríaca, dona de uma beleza pálida, olhos e cabelos claros, por isso, escolhemos como modelo deste ensaio a belíssima Rita Lopes, modelo e comerciária - sim, porque nossas modelos não são somente aqueles que apenas vivem da profissão, muitas delas são belas e trabalham em outras funções, outras estão no começo da carreira e a todas agradecemos e elogiamos, pois cada uma é bela e especial a seu modo.
Rita é uma "natural". Eu a conheci há cerca de 15 anos e parece uma vampira, pois nunca envelhece e está cada dia mais linda. Naquela época, quando trabalhávamos para uma loja de cosméticos e visitamos uma feira de beleza no Anhembi, em São Paulo, ela atraiu a atenção de um olheiro, que a descreveu como a "de rosto chantilizado e amorangado". Nunca me esqueci desta descrição. Na época rimos muito, mas ela preferiu seguir sua vida e carreira em Catanduva mesmo.
E foi todo esse chantilly, strawberry, macaroon e outros quitutes cutes mais em sua compleição que me fizeram pensar nela imediatamente, quando a questão foi decidir quem fotografaria de Maria Antonieta. Ainda mais depois deste ensaio que ela fez com semi-jóias da Ouromil, a escolha não poderia ser mais indicada. Rita posou com as peças - maravilhosas, diga-se de passagem, como tudo que tem na Ouromil, e que até então tem 'enfeitado' as modelos da Fashion History - e com porte de rainha. Pronto, era o que queríamos. Seus longos cabelos loiros, pra pintar e bordar, um rosto delicado de princesa austríaca que depois virou rainha e olhos claros como os de Kirsten Dunst.




Coppola injetou um toque pós-moderno em sua Maria Antonieta, que no filme mais parecia uma adolescente tentando descontar suas frustrações - as advindas do casamento arranjado com um homem vá lá não muito caliente - em festas, amantes, roupas, jóias e doces dos mais refinados.




"Se eles não têm pão, que comam brioches" - teria dito a rainha. Só que está frase - perguntem ao professor Bolinelli que ele atestará - não é tão verdadeira quanto pensam. Não há nada nos anais da história que prove que a rainha realmente tenha dito isso. Pode ter sido apenas mais um 'hoax' da história, assim como há tantos, o que é muito provável, ainda mais numa época em que não havia a imprensa como há hoje e havia todo um complô para culpá-la sobre a buraqueira financeira em que a França estava. Há que sempre se buscar um bode expiatório, não é mesmo?
Também não estou dizendo que ela não disse isso. Pode até ter dito. E se disse, qual foi sua real intenção? Também não sabemos. Afinal, o que esperar de uma mocinha ingênua que deixou seu palácio singelo na Áustria (comparado com o de Versalhes, sim, singelo) e foi forçada a se casar com um desconhecido com apenas 16 anos de idade?
Sem falar que ao pisar em solo francês, ela foi automaticamente despida de tudo que lembrasse a Áustria e lhe foi imposto um padrão de vida que toda rainha francesa DEVERIA ter. Não era uma opção. Ela foi levada a esta vida. E para quem vive rodeada das mais refinadas guloseimas e luxos e nunca viu outra vida, como imaginar ser possível que alguém não tenha pão?




Delicados cupcakes decorados com camafeus, não muito diferentes dos pormenores e delicadezas que enfeitavam os doces saboreados pela monarca.




E te prepara, Rita lopes, que você vai comer muito neste ensaio...




Mas afinal, o que era moda no século 18? Bem... quem viveu o finalzinho dos anos 80, precisamente 1989, lembra-se da novela "Que Rei Sou Eu?", uma das melhores já feitas pela Rede Globo, na qual a atriz Cláudia Abreu, na flor da idade, interpretava a princesa Juliet. Todas as personagens e tudo que se referia à história tinham nomes franceses, mas a história era uma sátira à corrupção do Brasil. A novela era uma comédia - teve até Dercy Gonçalves! - e tinha uma rainha louca que toda hora gritava: "CORTEM A CABEÇA!!!". A guilhotina era a forma de matar os condenados à morte da época, mas como na história nada funcionava - exatamente como no Brasil nada funciona até hoje - a guilhotina também nunca funcionava. Quebrava, emperrava, e ninguém nunca morria.
Os cabelos das mulheres da corte eram sempre cheios e cheios de cachos, a maquiagem bem exagerada, os vestidos amplos, com corset e mangas estreitas que se abriam próximas aos punhos.
Nossa modelo vestirá algo não realista, mas inspirado no tipo, e principalmente no gosto pessoal da rainha se vestir, que, conforme apontam as pinturas e as biografias, tinha predileção por tons pastéis e temas florais.




Coppola foi também a primeira - talvez por ser uma diretora mulher - a mostrar o lado frágil e os dilemas pessoais da rainha, cujo drama não se resumia só a essa gastança toda. Aliás, muito pelo contrário, depois de ter os filhos, Marie Antoinette sossegou um pouco o facho e até adotou um estilo de vida mais simples, vivendo em contato com a natureza no seu "Petit Trianon", um pequeno castelinho bem simplório para os padrões de Versalhes.
Logo que se casou, como o rei não era muito afeito a sexo, teria tido dificuldade para engravidar, mas naquela época sempre era culpa da mulher, de modo que ela foi alertada por cartas, pela mãe, do perigo que corria caso não desse um herdeiro à França, e recebeu conselhos sobre como seduzir o Rei. Enquanto isso, ela tinha que aguentar as fofocas que corriam pelos corredores de Versalhes, sobre sua suposta frigidez, o que, ao que tudo indica, não era bem assim...




A alemã Diane Kruger, muito fashion também na vida real, viveu a personagem num filme mais recente, que explorou um suposto relacionamento homossexual da rainha, dado às carências e às horas de solidão e abandono do próprio marido, que estava sempre mais interessado em caças e cavalgadas (literais) do que em fazer companhia à esposa.




De qualquer forma, Maria Antonieta é um personagem histórico tão icônico que continua viva na memória de muita gente. Prova disso é que as fantasias de Maria Antonieta são bem comuns em períodos de Halloween no Hemisfério Norte. Na foto, a inglesa Kelly Brook não se contentou com a versão sexy do figurino e até adicionou um fake pescoço guilhotinado.





Para interpretar Marie Antoinette num comercial, Gisele Bundchen usou um corset rosa claro, no mesmo estilo do que será usado por Rita Lopes, no ensaio da Fashion History.




Estas meias brancas num desfile europeu recente foram inspiradas na rainha gastona, mas a nossa modelo usará umas bem semelhantes, da Acalanto Lingerie.




Na época do filme, Kirsten Dunst posou pra Vogue neste editorial, ao lado de outros modelos que enfatizavam os dizeres da legenda: "silks and velvets..." - muita seda, muito veludo, um ministro só pra cuidar de seu guarda-roupa, que era renovado numa velocidade incrível. E lá se ia muito dinheiro... o caso é que o problema da fome brutal que assolava o povo francês da época não poderia ser resolvido só se a rainha passasse a andar em trapos. O governo em si do rei Luís foi uma catrástrofe total, politicamente e economicamente. E Maria Antonieta podia entender de moda muito bem, mas de política não entendia nada.
Pouco se fala das besteiras que seu marido fez, como por exemplo quando decidiu apoiar a independência dos Estados Unidos, mandando somas brutais para tal e levando, com isso, a França à falência, além de outras decisões erradas e, diga-se de passagem, a rainha não era a única na corte a gastar. Havia uma quantidade enorme de nobres cuja função principal na vida era gastar com festanças caríssimas e futilidades. Mas, como já foi dito, era preciso achar uma culpada. E nada melhor do que culpar uma MULHER. Se for bonita e fashion, o veneno é mais ácido ainda, concordam?
Se fosse hoje em dia, Maria Antonieta estaria perdoada. Aliás, mais do que isso, estaria estampando páginas e mais páginas da Revista Caras.
Afinal, qual foi seu pecado? Gastar demais? Ser uma consumista compulsiva por ser uma frustrada no casamento? Quantas não são assim hoje em dia e são aplaudidas de pé em reality shows por aí afora?
A rainha Mary Tudor, por exemplo, fez muito pior que ela. Matou centenas de protestantes. Derramou tanto sangue que ficou conhecida como "Bloody Mary". E contra ela a fúria do povo não se levantou. Morreu vítima de uma doença. That's all. That's life. Not always fair.




Cena do filme em que ela passeia com uma das filhas, a quem adorava. Quando a coisa ficou feia e as notícias da revolução se espalharam, Maria Antonieta vivia praticamente numa prisão domiciliar, vestindo-se com modéstia. Ainda assim, sua atitude não foi bem interpretada. Atribuíram seu comportamento a um "frio distanciamento aos problemas da França".




Os dizeres neste editorial de moda: "Ela enfrentou a condenção à morte com absoluto auto-controle e dignidade e subiu os degraus para a guilhotina com graciosidade, mesmo tendo as mãos amarradas".
Diz a História que o conde Mirabeau tanto a admirava que chegou a dizer sobre ela: "O Rei tem apenas um homem com ele: SUA MULHER!". 




Pintura de Marie Antoinette, provavelmente ainda muito jovem. Aliás, ela também foi executada muito jovem.
Maria Antonieta foi para a prisão em 2 de agosto de 1793, muito doente e sofrendo de uma grave hemorragia. Culta como era, encontrou consolo na leitura e nos cuidados de Rosalie Lamorlière, a camareira da prisão, que cuidou dela. 
Foi pronunciado um discurso contra ela, onde foi chamada "a vergonha da humanidade e do seu sexo". Em um interrogatório preliminar foi feita uma referência clara à sua acusação: alta traição. Foi-lhe perguntado se ela tinha ensinado "a arte da dissimulação" ao marido, com a qual o rei tinha enganado o povo da França; Maria Antonieta respondeu: "Sim, o povo tem sido enganado, tem sido cruelmente enganado, mas não por meu marido ou eu". A ex-rainha continuava a acreditar nos preceitos da monarquia absoluta, instituída por Deus, e de acordo com essa lógica, qualquer um que ousasse se rebelar contra ela deveria ser considerado um criminoso e ser condenado à morte. 

Maria Antonieta foi acusada de conspiração de assassinato, falsificação de assinaturas e traiçoeira revelação de segredos aos inimigos da França. A rainha defendia-se com vigor e não se constatou em seu depoimento nenhuma contradição.
Ao final do processo, a ex-rainha esperava ser condenada à deportação. Ela estava certa de não ter cometido os crimes dos quais era acusada, pois só havia tentado salvar a monarquia da forma como a compreendia; mas isso foi considerado alta traição pela república francesa.
Maria Antonieta ouviu a sentença sem dizer uma palavra. De volta à cela, foi-lhe dado material para escrever seu testamento, enviado à sua cunhada, Madame Isabel:
"É a vós, minha irmã, que escrevo pela última vez. Acabo de ser condenada, não a uma morte vergonhosa, pois esta é tão somente para os criminosos, mas a que me juntará ao teu irmão. Inocente como ele, espero mostrar a mesma firmeza que ele em seus últimos momentos. Estou calma, como quando a consciência nada tem a condenar. Lamento profundamente deixar meus pobres filhos; sabes que eu só vivia para eles e para ti, minha boa e terna irmã. Vós, que por amizade, sacrificastes tudo para estar conosco, em que posição vos deixo!
Eu soube, através dos advogados de defesa, que milha filha está separada de vós. Ai de mim! A pobre criança, não me atrevo a escrever-lhe, ela não receberá minha carta. Eu nem mesmo sei se esta chegará a vós. Recebais, pelas duas, minha bênção. Espero que um dia, quando forem mais velhos, eles possam reencontrar-vos e desfrutar plenamente de vossos ternos cuidados. Acredito que nunca deixei de inspirá-los, que os princípios e o estrito cumprimento de seus deveres são a base primária da vida, que sua amizade e confiança mútua os façam felizes.
Minha filha, por sua idade, deve sempre ajudar o irmão, inspirando-o com os conselhos de sua maior experiência e sua amizade; que meu filho, por sua vez, tenha pela irmã todos os cuidados, os obséquios que a amizade possa inspirar; finalmente, que ambos sintam que, em qualquer posição em que se encontrem, estarão felizes por sua união. Que eles nos tomem como exemplo. Quanto consolo nos dão nossos amigos em nossos infortúnios e, na felicidade, como é dobrada quando podemos compartilhá-la com um amigo; e onde encontrar mais ternura, mais bem querer que em sua própria família?
Que meu filho nunca esqueça as últimas palavras de seu pai, as quais eu repito expressamente: que ele nunca tente vingar nossas mortes! Tenho que vos falar sobre algo muito doloroso para meu coração. Sei como esta criança deve causar-vos problemas; perdoai-o, minha querida irmã, pensai em sua idade e em como é fácil dizer a uma criança o que desejais, e mesmo assim ele não entende. Um dia virá, eu espero, em que ele se sentirá melhor e valorizará vossa bondade e vossa afeição por ambos. Ainda tenho alguns pensamentos para confiar-vos. Eu queria escrever desde o início do julgamento, mas não me deixavam, as coisas aconteceram tão rápido que, na verdade, eu não teria tido tempo.
Morro na religião Católica, Apostólica e Romana, a de meus pais, aquela em que fui criada e que sempre professei. Não tendo nenhum consolo espiritual a esperar, sem saber se aqui ainda existem sacerdotes dessa religião, e mesmo (se existissem ainda padres) o lugar (a prisão) onde eu estou os exporia a muito riscos, se eles me falassem, ainda que fosse só uma vez. Eu peço sinceramente perdão a Deus por todas as faltas que eu cometi desde que nasci. Espero que em Sua bondade, Ele possa receber meus últimos votos, assim como tem feito há tanto tempo, porque desejo que Ele receba minha alma em Sua grande misericórdia e bondade. Eu peço perdão a todos aqueles que conheço, e a Vós, minha irmã, em particular, de todos os sofrimentos que, sem querer, poder-lhe-ia ter causado; eu perdoo todos os meus inimigos pelo mal que me têm feito. Despeço-me de meus tios e de todos meus irmãos e irmãs. Eu tive amigos. A ideia de sermos separados para sempre e suas penas são os maiores arrependimentos que carrego ao morrer; que eles saibam, ao menos, que pensei neles até o último momento.
Adeus, minha boa e terna irmã. Possa esta carta chegar até vós. Pensai sempre em mim. Eu abraço-vos de todo meu coração, assim como minhas pobres e queridas crianças. Meu Deus, quanto me corta o coração deixá-las para sempre! Adeus, adeus! Não vou mais me ocupar com meus deveres espirituais. Como não sou livre nas minhas ações, irão trazer-me, talvez, um padre, mas eu protestarei e não lhe direi uma palavra e irei tratá-lo como um completo estranho."
 
 



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